quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Por que eu não cantei a Marselhesa.

Em primeiro lugar: eu não sei cantar a Marselhesa.
A Marselhesa é o hino da França. 
Mas eu não nasci na França.
Eu nasci do outro lado do Oceano, 
mais ao Sul. 
Eu também chorei a morte de Charlie.
E eu não sei cantar a Marselhesa.

Ontem, um jornal de esquerda foi fuzilado. 
Extrema esquerda. 
(Vale lembrar)
Eu não nasci na França,
Mas eu sou de esquerda. 
Os tiros me doeram como no peito do meu vizinho.
Não só porque eu sou de esquerda. 
E nem se não fosse,
Eu não sei cantar a Marselhesa. 

Na Gare Perrache, 
eu vi homens armados até os dentes
Fuzis em riste
Metralhadoras maiores do que o superego de qualquer homem.
Eu ouvi dizer que os árabes roubaram todo emprego.
Eu ouvi dizer que a mulher de burca tem que mostrar o rosto sim se o Sr. Polícia quiser ver. 
Eu ouvi dizer que eles não são bem vindos.
Que eu não sou bem vinda. 
Porque, entre outras razões,
Como muitos árabes,
Minha pele é branca, 
Meu sotaque é bonitinho
mas 
Eu não sei cantar a Marselhesa. 

A mão que tira à força o véu da mulhere porém
Não é a mão gauche que desenha Charlie
É a mão direita, com indicador em riste
Que aponta a bandeira
E que me diz pra cantar 
A gloriosa
A magnânima
A déspota
Marselhesa
Quando eu só ia à rua pra lamentar
Pelos jornalistas de esquerda.
Pela violência germinada
Pelos meus amigos e amores de outro continente. 
E para olhar a chuva.

Não, seu cônsul, eu não vou cantar a Marselhesa.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

espelho d'água


errar
apé
na estrada
até
acertar



segunda-feira, 4 de agosto de 2014

infinito linha torta


café fresco.
mão esquerda
tatuagem
tua
meu anelar

casamento.
raul, do mar
âncora?
infinito.
raul dava nós de marinheiro no meu estômago.

refletidos
raul,
lua,
unhas,
nádegas.
o balcão polido
vidro no chão
escovão,
convés.
raul cerzia o avental com a linha que remendava as frestas do não dito.

a conta
à mão
esquerdo anel
teu
minha tatuagem escondo.
agradeço.
saio.
raul recolhe a gorjeta com a mesma mão que não acena. 

segunda-feira, 31 de março de 2014

fode-te


fode-te
queria que te fodesse
que te enfiasse o pé na poça
na jaca
na lama
na quina que desponta da cama

fode-te
queria que te fodessem.
queria observar-te
com a cara no chão
com a cara de pau
e com o pau nas mãos

fode-te
queria foder-te
saber-te malquisto,
petição de despejo.
sem teto
sem desejo

fode-te
queria que me fodesse,
meu corpo esvaído.
amar-te,
como quem te sabe
um fodido.

catarse



catarte
comerte
as entranhas
estranhas 
à soja

à pica
epicuro
a cura
do tédio
o porre 
do vinho

amarte 
atarte
arderte
atearte

fogo. 

quinta-feira, 13 de março de 2014

venho por meio desta, solicitar-vos.


venho por meio desta, solicitar-vos,

não me chateie com edital, justificativas ou declarações 'sur l'honneur'

a partir de agora, só escrevo cartas de amor!

suicida, despedida

qualquer fardo. 
só não esfregue minha língua nem gaste minha saliva
num envelope pardo.

a lágrima escorre, 

borrifa perfume, 
coração no seu nome.
porque eu e você e todos nós somos ou deveríamos ser tão ou mais ridículos como todas as cartas de amor o são. 
ridículos de usar nossa língua pra pauta e dossiê. 
ridículos de usar nossa língua pra qualquer coisa
que não seja eu e você. 

segunda-feira, 10 de março de 2014

dia de visita



do lado de fora da prisão, embaixo do viaduto, perto das casinhas de cachorro ou de criança, pintadas de colorido,
mulheres em fila.
na porta do banheiro da balada.
mulheres em fila.  
e o homem não.
porque com o pau se faz xixi mais rápido e aí não forma fila não.
mas o pau não diminui tua pena
o pau não te livra da prisão.
e porque o pau não te absolve 
mulheres fazem filas na porta da cadeia
fazem até excursão 
levam o bolo favorito recheado de farinha
levam as crianças, mesmo que elas esperem do lado de fora com a madrinha.
mas vão.
e fazem fila
na porta da prisão. 
e quando são presas elas, não ganham filas. 
porque elas nasceram pra ser bem comportadas e 
pra esperar de pé
e por não mijar de pé
fazem fila nas portas dos banheiros e da prisão.
enquanto o homem esse, esse não. 
deixa as crianças em casa com a madrinha até que a pena acabe.
mas se o pau mesmo crescido fica tão longe do coração.
porque você desama e eu não? 
e pensa
que o pau te absolve de qualquer condenação. 
da fila do banheiro. 
e da porta da prisão.