Em primeiro lugar: eu não sei cantar a Marselhesa.
A Marselhesa é o hino da França.
Mas eu não nasci na França.
Eu nasci do outro lado do Oceano,
mais ao Sul.
Eu também chorei a morte de Charlie.
E eu não sei cantar a Marselhesa.
Ontem, um jornal de esquerda foi fuzilado.
Extrema esquerda.
(Vale lembrar)
Eu não nasci na França,
Mas eu sou de esquerda.
Os tiros me doeram como no peito do meu vizinho.
Não só porque eu sou de esquerda.
E nem se não fosse,
Eu não sei cantar a Marselhesa.
Na Gare Perrache,
eu vi homens armados até os dentes
Fuzis em riste
Metralhadoras maiores do que o superego de qualquer homem.
Eu ouvi dizer que os árabes roubaram todo emprego.
Eu ouvi dizer que a mulher de burca tem que mostrar o rosto sim se o Sr. Polícia quiser ver.
Eu ouvi dizer que eles não são bem vindos.
Que eu não sou bem vinda.
Porque, entre outras razões,
Como muitos árabes,
Minha pele é branca,
Meu sotaque é bonitinho
mas
Eu não sei cantar a Marselhesa.
A mão que tira à força o véu da mulhere porém
Não é a mão gauche que desenha Charlie
É a mão direita, com indicador em riste
Que aponta a bandeira
E que me diz pra cantar
A gloriosa
A magnânima
A déspota
Marselhesa
Quando eu só ia à rua pra lamentar
Pelos jornalistas de esquerda.
Pela violência germinada
Pelos meus amigos e amores de outro continente.
E para olhar a chuva.
Não, seu cônsul, eu não vou cantar a Marselhesa.